quinta-feira, 3 de maio de 2012


AINDA O CADASTRO POSITIVO

Situada no centro do processo de amadurecimento do crédito e do crescimento econômico, a construção do cadastro positivo tem sido uma obra amplamente discutida, debatida e aguardada. Mais do que tudo, aguardada.
Após a aprovação da regulamentação, após intensos debates e enfrentamentos, em 10 de Junho de 2011 pela Presidência da República, o projeto ainda não decolou.
A retomada das discussões sobre o tema neste momento reveste-se da maior oportunidade e relevância, tendo em conta o novo – e definitivo – contexto de redução das taxas de juros em acelerada marcha no mercado financeiro.
Um pouco de retrospecto pode auxiliar no dimensionamento da importância do tema. 
O cadastro positivo, ao contrário de nossa tradição “restritiva”, funciona como um longa metragem onde se desenvolve a vida financeira do cidadão. Bem ao contrário do processo do cadstro restritivo, que funciona como uma espécie de flash de radar de rodovia, quando um veículo ultrapassa o limite de velocidade.
Assim, não importa se o motorista que excedeu em 5% o limite de velocidade e durante 10 anos sempre teve conduta exemplar. O radar lançará a multa por força daquele único episódio desabonador.
Na tradição brasileira de apontamentos restritivos de crédito, é isso o que acontece: o mercado visualiza aquele episódio desabonador, visualiza a multa. O histórico do condutor – há quanto tempo dirige, quanto trafega por mês, quantas renovações bonificadas obteve em seu seguro por ausência de sinistros etc – nada disso existe no universo oficial do cadastro restritivo.
Apenas aquela multa, único desvio momentâneo em sua vida de motorista. Mas, transportando o conceito, por esse critério, caso a carteira de motorista fosse um contrato de crédito, esse cidadão não poderia ter sua carteira de motorista renovada.
No longa metragem do cadastro positivo, ao contrário, toda a história de direção segura, bonificação de seguros e condução disciplinada estaria gravada e valorada no momento da renovação da carta – ou, transportando para o nosso contexto – a concessão do crédito.
Por que é tão importante esse longa metragem?
Porque através dele as instituições financeiras conseguem determinar a quantidade de crédito que um cliente pode receber com segurança. O valor e o preço do empréstimo que cada cliente pode receber e terá condições saudáveis de pagar, sem comprometer sua própria saúde financeira e sem gerar risco grave de não pagamento.
De posse dessa ferramenta, o mercado financeiro pode melhorar a qualidade do crédito ofertado. Em poucas palavras: pode corroborar e acelerar a redução das taxas de juros.
Muito além de polarizações políticas ou ideológicas, acerta a economia que consegue trabalhar saudavelmente com taxas de juros menores. Desde que devidamente atribuídas aos clientes, respeitados os critérios de capacidade de pagamento versus risco de crédito.
Não é excessivo agregar que, no primeiro trimestre de 2012, o volume de aprovação de crédito para aquisição de veículos passou a 50% do total das solicitações, despencando de 70% do ano anterior, porque a conta da inadimplência pesou muito acima do esperado no final de 2011.
Não existe mágica. Se a instituição financeira não consegue ter a segurança e a garantia necessária ao crédito, não haverá crédito.
Outra vez: o movimento de redução de taxas de juros (a essa altura já não apenas tendência, mas movimento efetivamente em marcha) é, sobre todos os aspectos, louvável e desejável.
Mas as condições de viabilidade devem estar presentes. Ou o debate atual, de resto bem intencionado, não passará de bravata.
Dentre essas condições, reassume decisiva relevância o cadastro positivo. Conhecer os clientes e ter acesso a seu comportamento e histórico de pagamentos é fundamental para a concessão madura – e de menor risco – de crédito.
Não por acaso em economias que adotam o produto o volume de crédito é superior a 100% do PIB – e por aqui ainda 49%, que hoje celebramos, porque há cinco anos o volume era ainda metade desse.
Crescemos e evoluímos em praticamente todos os indicadores econômico-sociais, incluindo os de utilização de crédito. Mas ainda há um longo e respeitável caminho a percorrer. De resto, todo o mundo já percebeu isso e está chegando por aqui, com inédito apetite de negócios, à espreita e na aposta de que saberemos dar os próximos saltos qualitativos na consolidação de uma economia moderna e madura.
Parte disso é, sem dúvida, o desencalhe do cadastro positivo. O debate sempre subjacente durante a formulação regulatória, entre o interesse público (expansão do crédito) e os limites da privacidade (sigilo das informações) deve agora passar ao próximo nível.
Com maturidade e seriedade, não será difícil entender que o compartilhamento de informações beneficiará a todos e sobretudo aos próprios cidadãos, que serão premiados com melhores produtos e serviços, melhores ofertas e menores taxas de juros.
Os agentes e a habilidade técnica para gerir e desenvolver esse negócio já estão a postos – e confiantes. Talvez ainda não nos tenhamos dado conta, mas o único país em que os 3 maiores bureaus de crédito do mundo – Experian (Serasa), Equifax (que, em associação com a Associação Comercial de São Paulo originou o grupo Boa Vista) e TransUnion (que recém aportou no país com a aquisição da Crivo), estão presentes, além do seu país de origem, os Estados Unidos.
Pode parecer pouco, mas não é. O mercado e os cidadãos estão confiantes. É hora de desatar os nós e ingressar, de uma vez, no primeiro mundo da economia.
Menos radares amoitados na beira da estrada.  No crédito, como na política e na vida: honestidade, franqueza e transparência – nossa história não pode ser o resultado de um flash fortuito de radar: temos um  longa metragem a apresentar.

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