O DESAFIO DA REDUÇÃO DOS JUROS
PARA O CRÉDITO AO CONSUMIDOR E O NEGÓCIO DE CARTÕES
Na semana passada BB e
Caixa anunciaram e iniciaram oficialmente uma política de cortes fulminantes nas taxas de
juros ao consumidor, transformando em movimento concreto aquilo que já se
prenunciava como tendência há bastante tempo.
Seja por força da agenda
político-econômica que recentemente ganhou força definitiva no Planalto, seja
pela tendência apontada pelos mercados de economia estável e cultura de crédito
arraigada, a redução das taxas de juros ao consumidor é um tema em pauta e nas
agendas dos executivos financeiros há mais de uma década.
O terreno vem sendo
preparado, com modelos, ferramentas e políticas sociais que, em primeiro lugar,
criaram condições para a expansão do crédito como matriz de desenvolvimento e
crescimento sociais, resultando em uma nova relação crédito / PIB, inédita em
nossa economia de 49,1% em 2011, correspondente a mais de R$ 2 trilhões em
crédito total concedido (não custa lembrar que até 2005 essa relação era de apenas
26%).
A ampliação da base social
de consumo - graças à prodigiosa
expansão da classe C, especialmente nos últimos 5 anos, efetivamente
possibilitou a geração de um novo cenário de compras e consumo, em grande
medida também feito possível justamente pela estruturação e proliferação da
oferta de crédito - criou um novo mercado consumidor, que passa a entender que
pode comprar e que pode ascender socialmente, com as novas ferramentas que tem
à disposição. Essa nova massa de cidadãos passou de 62 milhões de pessoas (34%
da população, quando o segmento D/E era 51%) para mais de 103 milhões (51% da
população, quando a classe D/E, de onde emergiram, felizmente encolheu para 24%
da sociedade).
Esse novo consumidor, como
aponta, entre outros dados, a competentíssima pesquisa “Observador Brasil”
edição 2012, do grupo Cetelem, realizada pelo instituto Ipsos – já está mais
maduro e reflete consistentemente as oscilações da economia. Em 2011, embora
ainda predominantemente muito otimista sobre o país e a economia, o seu
entusiasmo já é menor que o do ano anterior, quando se operou a maior propulsão
de crédito e consumo.
O consumidor nacional,
segundo a pesquisa, considera que a economia estará estável em relação ao ano
anterior. E, ao mesmo tempo, está rigorosamente dividido sobre a sua
expectativa em relação aos juros do país: metade acha que as taxas serão reduzidas
e a outra metade não acredita em reduções significativas.
O que se torna especialmente
interessante quando confrontado com a informação de que, segundo análise do
professor Luis Carlos Mendonça de Barros publicada na Folha de São Paulo neste
final de semana, a reação dos consumidores neste início de ano tem sido a de
primeiro pagar suas dívidas e só depois voltar a comprar. O que, além de
representar um eloqüente alento após a forte alta dos níveis de inadimplência
do último ano, também sinaliza que o consumidor aprendeu e amadureceu muito
rapidamente. E nada indica que ele retornará afoito a um endividamento
acelerado.
O mesmo Observador Brasil
apurou que há mais renda disponível em todas as classes sociais: na classe C,
por exemplo, a renda disponível (livre para gastos de qualquer natureza, após o
cumprimento das obrigações mensais) cresceu 50% sobre o ano anterior. Além
disso, os consumidores acreditam que a oferta de crédito irá crescer / melhorar
(49%). Mas não há euforia em relação aos juros (1/3 da população acredita que
irão piorar, 1/3 acredita que ficarão inalterados e 1/3 acredita que poderão
melhorar).
Nesse contexto, tudo somado,
um novo mercado de consumo está pavimentado. A nota destoante, sob quaisquer
argumentos e quaisquer variantes, segue sendo a elevadíssima taxa de juros.
Parece ter chegado o momento de finalmente enfrentarmos esse capítulo.
Não é assunto que se resolva
por decreto, é certo, mas o movimento iniciado nesta semana pelos Bancos
federais torna o tema, que sempre foi importante e relevante, agora também candente
e urgente.
Uma coisa é certa: esse
movimento inaugura um dos períodos mais intensos de competitividade e pressão
por resultados e alternativas de gestão no varejo financeiro em muitos anos.
Os Bancos estão equipados e
são extremamente sérios para entender a dimensão do desafio, mas demandam
condições coerentes de competitividade: não há como não serem revisitados os
gargalos tributários e regulatórios que estrangulam as margens dos Bancos se,
de sua parte, também o governo estiver disposto a encarar a questão com
seriedade.
Um corte abrupto, imediato e
com a intensidade anunciada das taxas de juros não é compatível com um contexto
de competitividade saudável. Não apenas a inadimplência segue como grande
preocupação (e ferramentas como o cadastro positivo, por exemplo, ainda não
oferecem o grau de maturidade requerido para reverter esse cenário), como a
oneração regulatória e fiscal extraem capacidade competitiva fundamental para
pavimentar uma queda sustentável dos juros.
Que as taxas irão cair,
ninguém duvida. O tema não é novo, afinal. Em meu livro “E o dinheiro virou
plástico”, Ed Cultura, publicado no ano 2000 (há mais de uma década, portanto),
já apontávamos para essa tendência e os desafios que a indústria, por exemplo,
de cartões de crédito, teriam pela frente com essa variável, cedo ou tarde, no
front. Aquilo que apontávamos como tendência, agora já se tornou movimento. Assunto
em marcha. A questão é a maneira e o momento.
Em todo o varejo financeiro
nacional, as receitas com as operações de crédito são prevalentes e
determinantes da rentabilidade dos Bancos. Não por acaso, as ações dos
principais Bancos recuaram imediatamente após o anúncio do corte das taxas em
Brasília. Crédito pessoal com gênero e, sobretudo, cheque especial, como espécie,
têm papel preponderante na composição das receitas de todas as operações
bancárias ao consumidor – mesmo aquelas voltadas à alta renda.
A queda abrupta das taxas é
um golpe significativo em todo o mercado. Não que isso deva ser segredo para o
Banco Central. Daí exatamente a questão ser mais interessante: o BC sabe (assim
como o Ministério da Fazenda) da potencial dimensão depreciativa de valor para
as instituições financeiras de um corte abrupto das taxas. Mas ainda assim
acelera a sua implementação nos Bancos oficiais. É uma sinalização clara de
direcionamento. Mas falta o ajuste fino. E aí é justamente que começam os
desafios dos gestores, as rodadas de
negociações e as lições de casa para toda a cadeia produtiva.
Algumas pistas serão de
imensa importância para o direcionamento dos trabalhos de todos nós, gestores e
responsáveis pelo desenvolvimento e crescimento sustentáveis das diversas
operações de financiamento ao consumidor do mercado nacional.
O nosso mercado de cartões
de crédito tem 58% de suas receitas provenientes do crédito rotativo, hoje
dentre os principais alvos de corte de taxas no crédito ao consumidor (último
relatório cartões Bacen, dezembro 2010). Um corte hoje de mais da metade do
valor das taxas pode corresponder a inviabilizar muitas operações de cartões,
da maneira como estão constituídas.
Com décadas à nossa frente,
o mercado norte-americano, recém emergindo da crise de 2008-2009, vem há anos
em um movimento de análise de reengenharia e novas fontes de receita para os cartões,
uma vez que o extraordinário grau de competitividade do mercado encarregou-se
por si próprio de reduzir sumamente as taxas de juros na busca por novos
clientes e, claro, veio dizimando grande parte das suas receitas nas duas
últimas décadas.
O conceito de “intelligent pricing” vem sendo
intensamente debatido e incentivado nesse período como alternativa de recompor
as receitas que, por força da competitividade de mercado, foram reduzidas com baixíssimas
taxas de juros.
Cobrar em função do perfil do
cliente, do perfil de uso dos cartões (conceitos como tarifa por inatividade de
cartão), perfil de risco (derivando em taxas de juros flexíveis e variáveis em
função dos scores dos clientes).
O percentual de participação
de tarifas (“fees”) nas receitas dos emissores de cartões nos Estados Unidos
chegou a 48% em 2010, subindo de 31% de uma década atrás (The Wall Street Journal, 23 de janeiro de 2011, Marketwatch, A New
Landascape for Credit Cards, Jennifer Waters), conforme as tendências e
estratégias de gestão perseguidas pela indústria local. O balanço é claro:
juros menores, tarifas (INTELIGENTES) maiores.
No Brasil, a participação
das tarifas na receita dos cartões está na casa de 13%, contra quase 60% das
receitas com financiamento (relatório cartões Bacen, dezembro 2010).
Sem adernar à arena do
marketing, estamos falando de segmentação. Mas, sobretudo, estamos e estaremos
falando de estratégia. No caso específico dos cartões, por exemplo, tudo recai
e remonta à essência do principal pilar do negócio: fazer com que o cliente USE
o SEU cartão. Quanto mais usar, mais poderá financiar. Quanto menos usar, menos
receitas trará. Como fazer isso é um desafio cada vez mais presente e premente
em nossa gestão. Por exemplo: cartões inativos, ou de baixa atividade, são
tarifados, ou mais tarifados, incentivando os clientes à utilização do produto
ou, gerando receita compensatória pela falta de uso, através de um sistema
segmentado e inteligente de precificação.
Novas alternativas incluem
segmentação mais rigorosa na composição do produto para suportar taxas menores,
endereçando públicos específicos com perfil prevalente de utilização do crédito
rotativo. O Barclays está lançando neste trimestre um novo produto, o
BarclayCard Ring, com as menores taxas de rotativo de seu portfólio, isenção de
anuidade, mas SEM nenhum programa de recompensas agregado. A mesma estratégia e
mesma configuração norteou o Citi Simplicity, lançado no ano passado (Lowcards.com, 7 de Março de 2012, Lynn
Oldshue).
Público segmentado, menores
taxas, mas com menos prêmios e recompensas na outra ponta. É um desenho, dentre
infinitas outras possíveis composições, de viabilização do negócio. Mais do que
nunca, planilhas, calculadoras e criatividade deverão andar juntas.
Competitividade e diferenciação,
definitivamente, será o nome do jogo.
Mais pistas, também do
mercado americano: clientes estão adorando os cartões com cash back (um
percentual de todos os gastos volta como crédito no cartão) e, como sempre,
apontam a excelência no atendimento e na execução do serviço como fatores
preponderantes na escolha de uso do produto.
Outra tese em curso é a de
se atrelar programas de recompensas (de resto, sobretudo os de milhagem, com
custos atuais exorbitantes na operação da maioria dos Bancos emissores) apenas
aos cartões que paguem anuidade. Mais, os níveis do programa de recompensas
passam a ser associados ao nível de anuidade efetivamente paga pelo cliente.
Dentre as principais causas
de insatisfação e cancelamento dos cartões, lá como cá, léguas à frente do
segundo lugar... a alta taxa de juros. Agregue-se a informação de que no BB e
Caixa, o perfil de risco dos clientes – um dos principais argumentos para a
sustentação das taxas de juros elevadas – é em sua maioria (55%) de alto risco
(segundo as faixas de risco do Bacen, de
B a H), enquanto nos Bancos privados 75,9% dos clientes pertence ao perfil
de risco AA – A, o mais baixo do mercado, conforme as faixas do Bacen.
A contradição, neste
momento, pode jogar contra a tese de que o mercado precisa da gordura das taxas
para compensar os maus pagadores. A
verdade é que, em melhor técnica, praticar taxas mais baixas e clientes com
piores scores é um risco altíssimo,
que o mercado não pode carregar.
Com efeito, outra tendência
em marcha acelerada nos novos modelos do mercado americano, é distanciar ainda
mais marcadamente as taxas dos clientes de maior risco (que irão subir), das
taxas dos clientes de menor risco (que serão, estes sim, recompensados por
taxas menores). Dentre as melhores práticas atuais de gestão, muitos Bancos já
praticam esse modelo no Brasil. É de se aprofundar a prática. E são de preocupar movimentos de precificação em
sentido contrário.
No final do dia, melhores
pagadores e menores taxas, propulsionarão crédito, que por sua vez alavancará o
consumo, que propiciará crescimento sustentável de longo prazo ao país, que é
tudo o que todos nós queremos.
Por enquanto, o dia
amanheceu mais difícil para toda a indústria. Há lição de casa para todos os
elos da nossa cadeia produtiva.
Mas o desafio vale à pena.
Entramos, finalmente, na era da maturidade do crédito ao consumidor. Bom para o
mercado, ótimo para o país.