sexta-feira, 1 de junho de 2012


LIDERANÇA, VIRTUDES E CARÁTER

“Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

A um tempo simples e extremamente profunda, a frase de Abraham Lincoln (o 16º presidente norte-americano, um dos mais marcantes governantes da história do país, de 1861 até 1865, quando foi assassinado) encerra uma rara sabedoria lastreada na filosofia moral e no conhecimento prático e concreto da natureza humana, seus pendores, talentos e vicissitudes.

A oração completa é “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

Todos nós teremos casos, situações e pessoas em posição de liderança que nos acorrerão à memória.

Personagens da história e personagens reais que cruzam ou cruzaram nossas vidas e nossas carreiras. Exemplos positivos e, infelizmente, muitos exemplos negativos.

Esse é – ou ao menos deveria ser - um dos aspectos mais cruciais na avaliação do preparo e da gestão da liderança contemporânea. Como será usada a liderança pelo seu detentor? O que fará com o poder que lhe confere o cargo quando o assumir?

Noves fora trazer resultados para o negócio, premissa dada, o problema é extremamente mais complexo e, suas repersussões são de natureza essencialmente pessoal e social, para muito além da mera performance de resultados que, dito outra vez, são premissa dada: é sine qua non mas, muito longe de ser condição suficiente, é apenas condição necessária.

O que move um líder? E como e o que ele fará para que se movam seus comandados?

O princípio da resposta passa necessariamente por uma outra premissa, de constituição moral (sim, moral!), que jamais será capturada pelas planilhas de metas e resultados, mas deita raízes no que de mais genuíno existe na própria natureza humana: o seu caráter: “O homem guiado pela ética é o melhor dos animais; quando sem ela, é o pior de todos”.

Claro que Aristóteles (384 – 322 a.C.), nessa genial síntese, não podia imaginar as implicações e os bastidores do mundo corporativo do século XXI, mas estava baseado no seu profundo conhecimento das verdades mais fundamentais da filosofia e da constituição de qualquer sociedade, em qualquer tempo, época, forma ou estrutura: a natureza humana.

Dissociar-se de verdades fundamentais e essencias como essa nos estudos e avaliações sobre equipes de trabalho e liderança é tão infrutífero quanto, mais ou menos, por exemplo, discutir qualidade de vida em um acampamento de refugiados de guerra na Somália.

A base da discussão é, sem exceção, a formação e os valores do indivíduo, seu patrimônio e bagagem pessoais. Em uma palavra, seu caráter.

Um dos livros mais interessantes que li recentemente, chama-se “Virtudes e Liderança”, do especialista francês Alexandre Havard que, em 2007 fundou o “Havard Virtuous Leadership Institute”, que ministra programas executivos de excelência em gestão e liderança, baseados em virtudes.

Já na introdução, Havard lembra Peter Drucker, que postula: “É através do caráter que se exerce a liderança”.

A partir daí, a tese de Havard evolui para os princípios e os pilares da foramação do caráter, para identificar que, em sua base, estão as virtudes, entendidas como práticas reiteradas e recorrentes de bons hábitos, para a conquista das qualidades essenciais ao fortalecimento da personalidade.

Conforme lembra a obra, o tema não é novo: vem de Platão a codificação das virtudes, por assim dizer, estruturais do caráter humano, por ele designadas como virtudes “cardeais” das quais, segundo o filósofo, derivariam todas as demais: prudência, justiça, fortaleza e temperança (ou auto-controle).

A obra (cujo sub-título é: “a sabedoria das virtudes aplicada ao trabalho”), segue discorrendo sobre o papel das virtudes na atitude e na definição da postura dos líderes no mundo profissional, demonstrando como é da qualidade individual da sua personalidade que o verdadeiro líder extrai a essência de sua atuação.

Avançando sobre a prática e a efetivação da liderança, o autor ainda lembra que a missão (que poderíamos traduzir por Ideal), é o que move o líder e, em última instância, desencadeia a ação (que, no desempenho da função, será a Execução): “No líder, o ideal dá lugar à missão, que depois se traduz em ação”.

O que vale dizer, apenas um líder devidamente comprometido com sua missão, que tenha um conjunto de virtudes sólido, será capaz de transformar a missão em ação, garantindo a Excecução de qualquer plano e qualquer objetivo.

Missão (a representação de um ideal)  e execução (que só será possível através do comportamento alicerçado em um caráter virtuoso, capaz de não desanimar – e de manter o grupo motivado e comprometido -  ao enfrentar as dificuldades e as pressões ao longo do caminho) são ao mesmo tempo premissas para o desempenho da liderança e marcas de sua atuação.

Vale muito a pena um minuto de reflexão para observar o papel concreto que a prática de cada uma das virtudes essenciais representa na atuação profissinoal cotidiana dos líderes:

.Prudência: para tomar boas decisões

.Fortaleza: para manter o rumo e o foco, resistindo às pressões e adversidades

.Temperança (auto-controle): para dominar e controlar as instabilidades, inconstâncias e fragilidades de ordem emocional e temperamental, mantendo a atitude firme em direção aos objetivos

.Justiça: para dar a cada um o que é seu, de acordo com seu merecimento, premiando e recompensando a quem mereça e cobrando e encorajando quem necessite

.Magnanimidade (o autor acrescenta esta e a seguinte à relação original das virtudes cardeiais de Platão): para estabelecer objetivos pessoais elevados para si próprio e para todos os membros da equipe, o que vale dizer, sonhar alto, buscar o sonho e acreditar que não existem impossíveis na busca da missão

.Humildade: para superar o próprio ego e servir aos outros (o grifo aqui é nosso)

Curioso como poucas coisas parecem mais contraditórias a uma liderança de perfil convencional do que essa útlima virtude. Humildade pode parecer quase a própria antítese da liderança.

Muito interessante, porque a verdadeira liderança é serviço. Em sua essência e em sua origem é, sobretudo, missão. Para ajudar, conduzir, apoiar e facilitar o alcance dos objetivos e a realização da plena capacidade de todos e de toda a equipe.

Serviço. Para isso está a liderança. Esse o seu papel social e o seu sentido. 

Quem exerce o poder com essa perspectiva é o líder verdadeiramente vocacioando à sua missão. Qualquer outra perspectiva subverterá o poder, colocando-o em  favor de seu ocupante – e em detrimento dos demais e da própria missão do grupo.

As consequências, desastrosas, conhecemos todos. Das páginas da história, aos gabinetes e escritórios de ontem e de hoje, estão por toda a parte.

Que ao menos nos sirvam de alerta e lição.

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