LIDERANÇA, VIRTUDES E CARÁTER
“Se quiser por à prova
o caráter de um homem, dê-lhe poder”.
A um tempo simples e extremamente profunda, a frase de Abraham Lincoln (o 16º presidente norte-americano, um dos
mais marcantes governantes da história do país, de 1861 até 1865, quando foi
assassinado) encerra uma rara sabedoria lastreada na filosofia moral e no
conhecimento prático e concreto da natureza humana, seus pendores, talentos e
vicissitudes.
A oração completa é “Quase todos
os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o
caráter de um homem, dê-lhe poder”.
Todos nós teremos casos, situações e pessoas em posição de liderança que
nos acorrerão à memória.
Personagens da história e personagens reais que cruzam ou cruzaram
nossas vidas e nossas carreiras. Exemplos positivos e, infelizmente, muitos
exemplos negativos.
Esse é – ou ao menos deveria ser - um dos aspectos mais cruciais na
avaliação do preparo e da gestão da liderança contemporânea. Como será usada a
liderança pelo seu detentor? O que fará com o poder que lhe confere o cargo
quando o assumir?
Noves fora trazer resultados para o negócio, premissa dada, o problema é
extremamente mais complexo e, suas repersussões são de natureza essencialmente
pessoal e social, para muito além da mera performance de resultados que, dito
outra vez, são premissa dada: é sine qua
non mas, muito longe de ser condição suficiente, é apenas condição
necessária.
O que move um líder? E como e o que ele fará para que se movam seus
comandados?
O princípio da resposta passa necessariamente por uma outra premissa, de
constituição moral (sim, moral!), que jamais será capturada pelas planilhas de
metas e resultados, mas deita raízes no que de mais genuíno existe na própria
natureza humana: o seu caráter: “O homem guiado pela ética é o melhor dos
animais; quando sem ela, é o pior de todos”.
Claro que Aristóteles (384 – 322 a.C.), nessa genial
síntese, não podia imaginar as implicações e os bastidores do mundo corporativo
do século XXI, mas estava baseado no seu profundo conhecimento das verdades
mais fundamentais da filosofia e da constituição de qualquer sociedade, em
qualquer tempo, época, forma ou estrutura: a natureza humana.
Dissociar-se de verdades fundamentais e essencias como essa nos estudos
e avaliações sobre equipes de trabalho e liderança é tão infrutífero quanto, mais
ou menos, por exemplo, discutir qualidade de vida em um acampamento de
refugiados de guerra na Somália.
A base da discussão é, sem exceção, a formação e os valores do
indivíduo, seu patrimônio e bagagem pessoais. Em uma palavra, seu caráter.
Um dos livros mais interessantes que li recentemente, chama-se “Virtudes
e Liderança”, do especialista francês Alexandre Havard que, em 2007 fundou o
“Havard Virtuous Leadership Institute”, que ministra programas executivos de
excelência em gestão e liderança, baseados em virtudes.
Já na introdução, Havard lembra Peter Drucker, que postula: “É através
do caráter que se exerce a liderança”.
A partir daí, a tese de Havard evolui para os princípios e os pilares da
foramação do caráter, para identificar que, em sua base, estão as virtudes,
entendidas como práticas reiteradas e recorrentes de bons hábitos, para a
conquista das qualidades essenciais ao fortalecimento da personalidade.
Conforme lembra a obra, o tema não é novo: vem de Platão a codificação
das virtudes, por assim dizer, estruturais do caráter humano, por ele
designadas como virtudes “cardeais” das quais, segundo o filósofo, derivariam
todas as demais: prudência, justiça, fortaleza e temperança (ou auto-controle).
A obra (cujo sub-título é: “a sabedoria das virtudes aplicada ao
trabalho”), segue discorrendo sobre o papel das virtudes na atitude e na
definição da postura dos líderes no mundo profissional, demonstrando como é da
qualidade individual da sua personalidade que o verdadeiro líder extrai a essência
de sua atuação.
Avançando sobre a prática e a efetivação da liderança, o autor ainda
lembra que a missão (que poderíamos traduzir por Ideal), é o que move o líder
e, em última instância, desencadeia a ação (que, no desempenho da função, será
a Execução): “No líder, o ideal dá lugar à missão, que depois se traduz em
ação”.
O que vale dizer, apenas um líder devidamente comprometido com sua
missão, que tenha um conjunto de virtudes sólido, será capaz de transformar a
missão em ação, garantindo a Excecução de qualquer plano e qualquer objetivo.
Missão (a representação de um ideal)
e execução (que só será possível através do comportamento alicerçado em um
caráter virtuoso, capaz de não desanimar – e de manter o grupo motivado e
comprometido - ao enfrentar as
dificuldades e as pressões ao longo do caminho) são ao mesmo tempo premissas
para o desempenho da liderança e marcas de sua atuação.
Vale muito a pena um minuto de reflexão para observar o papel concreto
que a prática de cada uma das virtudes essenciais representa na atuação
profissinoal cotidiana dos líderes:
.Prudência: para tomar boas decisões
.Fortaleza: para manter o rumo e o foco, resistindo às pressões
e adversidades
.Temperança (auto-controle): para dominar e controlar as instabilidades,
inconstâncias e fragilidades de ordem emocional e temperamental, mantendo a
atitude firme em direção aos objetivos
.Justiça: para dar a cada um o que é seu, de acordo com seu
merecimento, premiando e recompensando a quem mereça e cobrando e encorajando
quem necessite
.Magnanimidade (o autor acrescenta esta e a seguinte à relação
original das virtudes cardeiais de Platão): para estabelecer objetivos pessoais
elevados para si próprio e para todos os membros da equipe, o que vale dizer,
sonhar alto, buscar o sonho e acreditar que não existem impossíveis na busca da
missão
.Humildade: para superar o próprio ego e servir aos outros (o grifo aqui é nosso)
Curioso como poucas coisas parecem mais contraditórias a uma liderança
de perfil convencional do que essa útlima virtude. Humildade pode parecer quase
a própria antítese da liderança.
Muito interessante, porque a verdadeira liderança é serviço. Em sua
essência e em sua origem é, sobretudo, missão. Para ajudar, conduzir, apoiar e
facilitar o alcance dos objetivos e a realização da plena capacidade de todos e
de toda a equipe.
Serviço. Para isso está a liderança. Esse o seu papel social e o seu
sentido.
Quem exerce o poder com essa perspectiva é o líder verdadeiramente
vocacioando à sua missão. Qualquer outra perspectiva subverterá o poder,
colocando-o em favor de seu ocupante – e
em detrimento dos demais e da própria missão do grupo.
As consequências, desastrosas, conhecemos todos. Das páginas da
história, aos gabinetes e escritórios de ontem e de hoje, estão por toda a
parte.
Que ao menos nos sirvam de alerta e lição.
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