sábado, 22 de junho de 2013

PANIS ET CIRCENSES

Com pão e diversão se entretém – e se mantém – a turba. Ou patuléia, ou o andar de baixo, no verbete da crítica social.

O que pode ter dado errado, então?

Sim, porque afinal não faltaram pão e circo até aqui. Dos restos se encheriam não apenas doze cestos, mas algo como 30 milhões de bolsos – aqueles, egressos da assim chamada classe D para a nova, emergente e florescente classe média, magicamente transmutada em classe consumidora.

A diferença é sutil, mas nada trivial: o que define a florescente classe dita emergente e ungida como nova classe média é o seu suposto poder de consumo. Outros quinhentos seriam a definição de consumo, em seus vetores qualitativos e quantitativos.

Como em um passe de mágica, agora mais de 50% da população nacional está na classe média, o que converte a antiga pirâmide social do país do denunciador triângulo – a larga base sustentando os “excluídos”, afinando-se progressivamente na direção do topo, sempre pequeno e restrito, dos “incluídos” - ao promissor losango, em que a base converge rumo ao centro e as extremidades se aproximam, formando a classe média ampla, sustentáculo do consumo na esteira do desenvolvimento econômico.


Nesse novo e inflado centro de consumo estão indivíduos e famílias que em tese teriam ascendido a um novo patamar social, atestado pelo poder de consumo, dado por uma combinação de fatores urdida entre ingredientes que vão desde um arremedo de acesso ao crédito e depressão induzida de taxas de juros até o mais primitivo assistencialismo paternalista, com institutos de natureza – para dizer o mínimo – duvidosa, como o bolsa família e que tais.


O mundo dos negócios – literalmente – apontou sua mira na direção deste novo éden do consumo e passou a direcionar investimentos e interesses para abaixo da linha do Equador, como nunca antes houvera ousado. Noves fora o potencial local, assome-se a falta de perspectivas e horizontes setentrionais, com a Europa derretendo e os EUA se refazendo da crise de 2008. Para onde mais poderia apontar a artilharia do capital?

Porto mais seguro que outras geografias ainda temerárias dos BRICs, o Brasil, em que pesassem as contrapartidas conhecidas por todos, ainda era um destino amplamente preferencial de investimentos.

Na base e no alicerce desse racional, a nova “classe emergente”. Um manancial de consumidores inexplorados – agora com crédito estimulado e insumos públicos – turbinam as projeções e expectativas de empresas e investidores do mundo inteiro.

Mais: esse mesmo mercado, pródigo na construção e produção de novos consumidores, ainda seria capaz de se superar e, em golpes rápidos e sucessivos de pirotecnia mercadológica, consegue também carrear para seu quintal os dois maiores eventos internacionais do planeta, a Copa do Mundo da Fifa e as Olimpíadas.


O que mais faltava? O futuro tinha chegado definitivamente para o antigo “país do futuro”. E a propaganda oficial não tardou em trazer a boa nova ao mundo.

Tudo o mais cadenciado em prol da propaganda oficial - nada obstante os reais e louváveis avanços sócio-econômicos do país que, de resto, são inquestionáveis – o Brasil sabe pouco sobre suas próprias limitações e extensão da propalada nova classe social, para dizermos o mínimo.

E então, eis que senão quando, é preciso fazer às pressas a contabilidade de quanto o aumento da passagem de ônibus representa na cesta de consumo desse novo e iluminado cidadão emergente. Quanto de sua renda e de seu orçamento serão comprometidos? Pergunta improvável até um par de semanas, passou a tornar-se ingente e angustiante de um dia para o outro: mas quanto é que as tarifas de transporte consumem do orçamento doméstico?

Aumento retido, contido, reprimido – não pelas eleições, dê-se de barato – mas em prol do sacrifício pelo bem maior de não agravar a pressão sobre a inflação. E, de repente, autorizado e implementado, embora com mais de 6 meses de atraso.

E logo depois da escalada de preços do tomate! Logo agora, que a economia pisou no tomate e avermelhou as projeções inflacionárias, as tarifas de transportes mergulham no molho dos aumentos? O PIB não correspondeu – outra vez – mas sim os preços. Inflação à espreita, economia estagnada. Um trimestre, outro trimestre. 
Economia estacionada, investimentos declinantes, confiança internacional comprometida e preços, estes sim, em marcha batida de alta. No caixa do supermercado a nova classe emergente vê o seu sonho de consumo submergir e naufragar na alta mais que simbólica do caldo de tomate. E será que tudo acaba em pizza outra vez?

Antes tarde do que mais tarde, o Planalto ensaia devolver ao Banco Central o controle da política monetária – e a até então inacreditavelmente politizada definição das taxas de juros da economia, na única e última tratativa de bom senso da gestão econômica dos últimos meses. O Banco Central, técnico como deve ser, inicia a correção das taxas para conter a inflação já em marcha. 

Movimento óbvio mas, outra vez, retardado. Investidores já haviam batido em retirada ou estocado suas ordens de compra no país, aguardando que a política econômica recobrasse a sensatez de um Banco Central efetivamente autônomo e guardião da estabilidade da moeda. Os juros voltam a subir, pilhando inadvertidos os novos emergentes refestelados em crediários e dívidas impulsionadas pelo acesso ao crédito fácil e barato. Muitos ficaram pelo caminho. A terra começa e ser devastada e o chão que assentava a nova pirâmide (mais bem, o novo losango) social, começa a faltar.


É a economia, estúpido? Sim, é. Sempre é. Mas há mais, muito mais.


Falta o “panis”, mas sobra o “circenses” que insiste em tripudiar da capacidade de entendimento e assimilação da sociedade.

Temos Copa, temos Olimpíada, temos novos milionários (e bilionários) midiáticos encenando a imagem ensaiada de um país que teria dado muito mais certo do que na verdade deu.

E temos um universo paralelo de poder, inacreditavelmente cínico, que insiste em acreditar que a sociedade ainda acredita no que dizem e no que fazem. Ou fingem acreditar, o que é ainda pior.
  
A tal e tanto que a outrora velada corrupção passou a ser flagrada e divulgada em horário nobre, todos os dias, semana após semana – e seus protagonistas seguem desfilando literalmente em praça pública, em vergonhoso escárnio social, lançando a perder qualquer hipótese de credibilidade de nosso sistema político. A crise não é apenas de representatividade política – cuja falta, desnecessário dizer, é absoluta e irrestrita – mas, sobretudo e muito mais grave, é de lideranças.
Com todo o respeito aos jovens líderes do movimento Passe Livre – que acompanhei em entrevistas e declarações recentes – mas a sociedade não está nas ruas pelos 20 centavos de aumento das tarifas de ônibus (de resto, já reduzidas): há um contexto submerso, contido, disperso e inconcluso de insatisfação atomizada por todo o corpo social.

“Contra tudo isso que está aí”, essa espécie de platitude aparentemente oca e vazia, na verdade carrega um conteúdo denso e de pote cheio, derramando de insatisfação e contrariedade. Com a economia, que se mede em cada caixa registradora das feiras e supermercados – e com a política, dessa deslavada falta de vergonha e decoro de uma classe de representantes que há muito tempo não representa ninguém. A litigiosidade contida está à solta. 

Sua libertação é sinal de que o sangue ainda pulsa. As consequências é que ainda são incertas – e autoridades atônitas e estupidizadas por 2 semanas diante do espetáculo popular, sem nenhuma reação consistente, apenas comprovam a alarmante ausência de lideranças e agravam o risco de desfechos socialmente críticos e indesejáveis, a quaisquer títulos.
   
Há oportunistas de plantão e é até provável que muitos deles tenham protagonizado o início dos movimentos de manifestação social pelo país. São repudiáveis, todos eles. E inaceitáveis os abusos depredatórios e de violência urbana, contra a população e o patrimônio público: são criminosos, sem qualquer contemplação – e como tal devem ser encarados.

Mas as manifestações de há muito já se provaram maiores do que eles. Carregam o espírito de um corpo social diante de suas mazelas econômicas e suas misérias políticas.

Nem todos saberão verbalizar esses sentimentos de maneira racional, mas está claro que a insatisfação – mais do que legítima – está solta. Ponto para a nação. Mostra que não é imbecil, como insistem em pensar nossos governantes. Podem não saber expressar, podem não saber escrever – mercê de nosso sistema pífio e vergonhoso de ensino – mas sabem perfeitamente quando estão sendo enganados. Não somos palhaços, é o estamos dizendo nas ruas. É tempo de ouvir.


A propósito, o video abaixo sobre a Copa e o Brasil é sintomático e traz uma extraordinária oportunidade de reflexão por todos nós sobre tudo o que estamos discutindo aqui. 

http://www.youtube.com/watch?v=ZApBgNQgKPU


O velho panis et circenses, já não funciona mais.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Entrevista à CardMonitor sobre os novos desafios do cenário de negócios de meios de pagamento no Brasil

Minha entrevista à CardMonitor sobre os novos desafios do cenário de negócios de meios de pagamento no Brasil.



Flash semanal – 30 de julho a 06 de agosto de 2012
Reduzir juros sem comprometer margens é o desafio
imposto ao setor de cartões, avalia o consultor Max Basile





CardMonitor - Na sua avaliação o nível de inadimplência já deve ser encarado com sinal de alerta ou indicador está sob controle? Como avalia as medidas do governo de estímulo ao consumo?
 Max Basile - Ninguém pode dizer se o indicador está ou não sob controle. O fato é que a inadimplência cresceu e é uma preocupação concreta. Em 15 dos 16 meses anteriores a abril deste ano o nível de inadimplência registrou alta. O primeiro mês em que o nível de perdas apresentou redução foi maio, mas apenas no indicador interanual (contra o mês anterior), porque na comparação com o ano anterior, a comparação foi também de alta. Estimular o consumo e, mais, estimulá-lo via crédito é um mecanismo saudável e desejável, indicativo de evolução social e econômica. Mas o modelo tem um limite e hoje é consenso entre os economistas que não vamos atingir o próximo nível desejável de desenvolvimento sem um aumento significativo dos investimentos. O próximo salto necessário da economia não será dado pelo aumento do consumo das famílias, que é o que tem sustentado o crescimento até aqui. O incremental que poderá ser extraído do consumo familiar e do crédito é insuficiente para girar o crescimento da economia nos patamares desejáveis acima de 4% ou 5%. 

 CardMonitor - Qual a sua expectativa em relação à inadimplência em 2012?
 MB - Não acredito que alguém possa estimar um índice de fechamento de ano a partir do contexto atual. Há indicações de melhora, que passam pela maior consciência do consumidor que começa a ser um pouco mais conservador em seus gastos segundo tomadas de opinião mais recentes e pelo próprio contingenciamento de crédito que as instituições financeiras passaram a adotar caso as perdas não retrocedam nos próximos meses. Por outro lado, o equilíbrio da conta das famílias e, por consequência, o controle dos pagamentos dependerá fundamentalmente da relação de crescimento da economia e da capacidade de seguir gerando empregos. Com o atual nível de endividamento dos consumidores, se houver uma crise de empregos (que não é provável, mas não é impossível, a depender da evolução da crise europeia), a situação da inadimplência poderá se agravar muito. O crédito tem espaço para crescer e vai crescer. Os juros devem cair e seguirão em trajetória de queda. Mas o próximo nível de crescimento demanda investimentos e infraestrutura. Seguir esticando o crédito além da capacidade de absorção das famílias não vai resolver e pode colocar mais pressão no atual ciclo crescente de inadimplência.


CardMonitor - O movimento de redução de taxas de juros configura, na sua opinião, um novo momento para o mercado financeiro? As instituições financeiras passam a enfrentar novos
desafios? Quais?
 MB -Sem dúvida. É um novo momento, que reflete o amadurecimento da economia e das instituições nacionais. O desafio está posto - e o mercado já está empenhado em solucioná-lo.

 CardMonitor: Nos últimos meses, vários bancos fizeram anúncios de redução de taxa de juros. Ainda há espaço para novas reduções?
 MB - Há espaço para mais redução dos juros, sem dúvida. Basta ver, por exemplo, que o movimento ainda não chegou plenamente aos cartões. Mas essa é uma matéria de ordem técnica e de gestão -
e não política. Se os níveis de perda não retrocederem, não só os bancos retrocederão no movimento de redução das taxas como passarão a contingenciar a oferta de crédito.

 CardMonitor - Em entrevista à Folha de S.Paulo, o presidente do Santander Brasil, Marcial Portela, disse que acredita que nos próximos dois anos os juros de cartões devem cair pela metade. Há espaço para uma redução dessa magnitude e neste espaço de tempo?
 MB - Há espaço para redução. Muito difícil dizer se nesse nível e nesse intervalo de tempo. Como todo negócio, os cartões precisam garantir lucro às suas organizações. É um enorme desafio para os gestores atuais promover a redução gradual das taxas sem comprometer as margens e os resultados com os quais já estão comprometidos em seus orçamentos e com suas casas matrizes. É absolutamente correto dizer que todos os gestores e as administradoras estão empenhadas na solução dessa equação - e nos mecanismos de gestão que devem ser empregados para redução das taxas e manutenção da saúde financeira de suas operações. O mercado está tratando o tema com a devida e necessária seriedade. É muito importante que o assunto siga sendo tratado com responsabilidade técnica pelos gestores e pelo mercado.


ATENDIMENTO E RELACIONAMENTO EM UMA LIÇÃO: BRAVO!!



quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O RESGATE DO CONVÍVIO SOCIAL

Restaurante oferece desconto a cliente que comer sem celular à mesa.


http://economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201208171318_TRR_81504706


O restaurante Eva em Los Angeles (www.evarestaurantla.com), entrou na campanha pelo resgate da convivência social ameaçada de extinção pela virtualização dos relacionamentos pessoais em nossa era digital.

Iniciativa interessantíssima, na contra-mão dos excessos do mundo virtual, uma excelente maneira de estimular o retorno à essência de um encontro real e pessoal de família ou de amigos à mesa de um restaurante. Uma ressonância concreta aos pontos de advertência das reflexões de meu artigo neste Blog sobre a necessidade de resgatarmos o contato, a vivência e o relacionamento pessoais, em um universo a cada dia mais espetaculosamente virtual e artificial em nosso meio: 
http://maxbasile.blogspot.com/2012/06/homodigiti-claro-que-o-mundomudou.html



quinta-feira, 21 de junho de 2012


HOMO DIGITI
                                                                                             
Claro que o mundo mudou. Aliás, mudou não: está mudando a cada dia e a cada vez mais rapidamente.

É de se imaginar o que diria Heráclito, o grande filósofo pré-socrático (540 a.C a 470 a.C) que naquele tempo postulou: “a única coisa permanente no mundo é a mudança”. De onde o próprio também conclui que ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, porque da segunda vez, as suas águas já não serão as mesmas...

Aquilo que poderia ser lido como a definição recém postada em alguma rede social para traduzir o nosso tempo, na verdade tem apenas 2.500 anos...

Menos deslumbrados estivessemos com as supostas maravilhas contemporâneas e um pouco mais humildes fossemos para aprender com a história e a filosofia seculares, veríamos que muito pouco de realmente novo tem sido pensado. Mas esse é um outro assunto. O foco deste ensaio é outro e voltamos a ele, mas fica aqui o parêntesis, como convite a reflexão.

Que a evolução siga seu curso, nenhuma surpresa. O mundo segue acelerado e muda, segundo seu ciclo de desenvolvimento. A questão hoje, no entanto, é de outra natureza: uma coisa é a evolução do mundo, outra coisa, bem distinta, é a criação de um mundo, outro, paralelo.

O homo sapiens hoje se  relaciona muito mais virtualmente do que na realidade concreta de suas vidas. Em todos os sentidos e aspectos, os relacionamentos virtuais estão se tornando muito mais frequentes do que os reais e determinam um novo padrão de conduta diante da rede (ou das redes).

Como já discutimos preliminarmente em outras ocasiões (vide artigo “In Omnia Respice Finem”), o avanço tecnológico é sempre, em tese, positivo, até o ponto em que a qualidade de vida a cujo serviço deviam estar os avanços, seja colocada em risco justamente pela malbaratação de seu uso.

Como em quase tudo na vida, equilíbrio é a medida certa.

De resto, celeuma parecida, embora de proporções infinitamente menores que as atuais, deu-se com a chegada da Televisão, aí pelos idos dos anos 50 e 60. Que iria acabar com as relações sociais, que seria estupidizante (embora às vezes e em muitos programas seja mesmo), que acabaria com o diálogo e com as interações familiares, que seria o fim do cinema, da arte, da escrita etc.

Hoje parece estudo de arqueologia. Não por acaso a Sony revelou no início deste ano prejuízo na venda de televisores.  A TV, antiga besta fera do apocalipse, hoje desperta penalizada simpatia, em acelerada marcha de inevitável obsolescência.

Mas tudo indica que, aquilo que a TV começou, uma nova geração de equipamentos, muitíssimo mais virais (literalmente), está prestes a conseguir terminar.

Basta observar um almoço, de trabalho e mesmo de família no final de semana: sobremesa grátis para quem encontrar uma mesa em que cada um dos ocupantes não estiver ocupado com seu próprio aparelho celular, em ligações paralelas, mensagens ou joguinhos. E vai piorar enquanto continuarmos presenteando crianças de 8, 9, 10 anos, cada uma com um IPhone.....

Note que não falo de mesas de adolescentes (esses não falam mais, apenas digitam...), falo de famílias e de homens e mulheres que, a lazer ou trabalho, estão reunidos à mesa.... cada um chafurdado no microcosmo particular de seus próprios aparelhos.

Refesteladamente infiltradas de forma pandêmica não apenas em todas as casas, como no caso da TV, mas em todas as mãos (no Brasil, já superamos a marca de 200 milhões de celulares, e os smartphones galgam progressivamente mais e mais participação nesse conjunto), as mídias digitais dominaram o mundo.

Não estão mais a nosso serviço, conduzem nossa vida. O homo sapiens foi traído naquilo que o distinguia: sua inteligência. E agora apenas começa a despertar para a  intoxicação que se espalhou em escala universal.

O extraordinário fascínio sensorial a provocar e instigar a curiosidade por novidades brotando em frações de segundo por toda a parte, ao alcance do suave toque dos dedos, tornou-se irresistível demais para ser domado. Fugiu ao controle.

A sensação de que estamos nus quando não portamos os smarphones ou esquecemos o celular, a ansiedade que engana os sentidos, sempre imaginando que o seu celular tocou, ou vai tocar, ou pode tocar, os dedos que inadvertidos e autônomos, desprendem-se da mão para tocar e apalpar a tela do mini-universo portátil, à busca de uma possível nova mensagem, nova postagem, nova novidade, a cada segundo....

Esse é o novo padrão de conveniência, comodidade e facilidade prometido? Essa a qualidade de vida, que nos permite transitar em “liberdade”? A agonia sufocante da hiperconectividade já é fenômeno patológico. 

Nunca se venderam tantos antidepressivos e calmantes de toda a sorte e natureza como hoje. É um estado latente de altíssima ansiedade, histeria interior e neurose social para acompanhar todas as informações, notícias, notas, comentários e opiniões produzidas em hectobytes por segundo.

Enquanto proliferam de maneira insana os jorros de informações e opiniões inúteis e estúpidas de toda a ordem, que precisam ser lidas, comentadas e respondidas. O amplo acesso à informação, sem dúvida um avanço extraordinário, por outro lado deu lugar à absoluta atomização da edição: cada um é senhor e editor de si mesmo, diz o que quer sobre e quando quiser  - e o diz no mesmo espaço aberto de consultas e comentários, universalizado sem nenhum critério.

Se algum incauto perguntar ao “google” ou outra ferramaneta de busca por exemplo, quem foi Abraham Lincoln, poderá deparar-se com uma página de algum comentarista de ocasião dando conta de que tenha sido um rebelde sulista sanguinário e enlouquecido morto em combate durante a Guerra de Secessão e, pior, “fazer um copy and paste” e apresentar como resultado da pesquisa na aula de história.

No limite, é a reinvenção da história e do pensamento – quem pode dizer o que está certo nesses monturos virtuais? Mais: existe “certo”? Se posso editar, dizer e comentar o que eu quiser, sobre quem eu quiser, quando quiser, quem se atreverá a me “ensinar” alguma coisa? Para que?

Ainda melhor: agora é imperioso saber que o Juquinha está tomando café na praça, que a Julinha está tomando um sorvete “maaaaraaaviiiilhoooosooo” no shopping e que a Aninha acabou de comprar um vestidinho rosinha para o aniversário da sobrinha,  “olha só que graaaaciiiinhaaaa”. E se você não “postar” cada minuto de seu dia, bem, você pode estar ficando para trás....

Tudo isso ao mesmo tempo e todo o mundo acontecendo dentro da tela. Impossível distanciar-se dela. 

Estamos todos vidrados, de olhos esbugalhados ou de canto de olho, disfarçadamente, mas sempre em busca da tela mágica. O novo mundo real. O outro mundo, o velho, aquele que costumavamos chamar de real, passou a ser paisagem. A realidade migrou para as telas. Virtual hoje é a vida material. Real, é a vida digital.

"Desliguem seu computador. Está na hora de vocês desligarem o telefone e descobrir tudo o que é humano ao nosso redor. Não há nada melhor do que segurar a mão do seu neto quando ele está dando os primeiros passos".

O que soa como extraído de um discurso tibetano ou lema de retiro espiritual embalado a insenso no Himalaia foi dito, de forma veemente e em tom grave, pelo CEO do Google, Erick Schmidt em dicurso que já correu o mundo, a graduandos da Universidade da Pensilvância, em maio de 2009.

Teria perdido o juízo? Ao contrário, de posse e domínio de seu juízo perfeito, Erick Schmidt está tentando recobrar o juízo de milhões de navegadores, tão completamente à deriva mar adentro do mundo virtual, que correm o risco de jamais voltarem à terra firme do mundo real: “Saiam da frente das telas e tenham alguma vida real longe delas!” Nada se compara e, principalmente, nada substitui a experiência humana REAL.

Quando pede moderação aos jovens, de resto, seus clientes, o que está tratando de fazer é justamente preservar a freguesia. Antes que pereçam pelo excesso e pela inevitável ingestão subsequente. É mais ou menos a preocupação que teriam (ou têm) as redes de fast food. Ou os fabricantes de bebidas alcoólicas, ou ainda as refinarias de açucar: o excesso mata o cliente. Recomenda-se moderação.

Um livro genial acaba de bater o recorde de vendas do New York Times e já está disponível em português: “O Blackberry de Hamlet”, de William Powers, jornalista americano, aqui publicado pela Editora Alaúde.  

Um verdadeiro primor de criatividade, senso crítico (e auto-crítica) e lucidez.

Não contarei o livro porque recomendo vivamente sua leitura. Mas vale por exemplo mencionar que, pelo que o título indica, Powers traça paralelos entre épocas e suas crises e conflitos com a evolução tecnológica, remetendo a Sócrates que, na Grécia antiga, relutava em aceitar a escrita, a “nova tecnologia” então emergente, porque considerava que poderia empobrecer a riqueza dos debates e discursos orais, onde repousava, segundo ele, todo o estímulo à verdadeira inteligência...

Um fascinante paralelo que mostra as mesmas dificuldades de aceitação, transição e acomodação das novas tecnologias, em todos os tempos, mostrando como sempre foram possíveis, finalmente, os avanços de cada época, superadas as naturais perplexidades iniciais apontando o caminho para a convergência, possível, sim, da era digital com equilibrio e sanidade na vida contemporânea (o subtítulo: “Filosofia prática para viver bem na era digital”, logo esclarece o otimismo do autor da obra afinal de todas as contas).

É notável o capítulo em que ele conta o que sentiu e como “superou” o dia em que acidentalmente, em um passeio de barco, perdeu seu celular (um moderno smartphone com “toda a sua vida” embutida nele). Do pânico inicial à inusitada leveza e alegria de sentir-se pela primeira vez livre para reencontrar-se consigo mesmo, a narrativa é uma pérola.

Para ao final concluir, concordando com o que todos os filósofos e pensadores trazidos na obra sempre postularam, independente do embate particular de cada época: o indispensável e necessário distanciamento do ruído, do mundo exterior e, portanto, das conexões onipresentes de hoje, para encontrar-se consigo mesmo e com a essência dos valores da vida humana.

Desconectar-se. Poderia ser uma recomendação, mas hoje é mais do que isso: é condição de vida. A hiperconectividade, se não é causa, hoje é séria agravante de nossa ansiedade, angútia, solidão, neurose e histeria, pessoais e sociais.

Não temos mais paciência e ponderação para quase nada e a dispersão midiática crescente nos faz tangenciar a falta de consideração e respeito a quase tudo e a quase todos à nossa volta. Assunto que em muito pouco tempo será de saúde pública, por ora atendido e remediado por antidepressivos em larga escala. E todos sabemos (e tememos) que, desgraçadamente, não há nenhum exagero nessa afirmação.

Toda a fenomenal bolha planetária virtual é de ser observada com cautela e boa dose de desconfiança, não apenas nos hábitos e adesão, mas também nas análises de mercado.

Em brilhante artigo em O Estado de São Paulo em 21 de maio deste ano, “Redes sociais e homens”, Lúcia Guimarães, após revelar sua devoção pela emissora de rádio local de Nova York sem fins lucrativos (93,9 FM, para quem tiver curiosidade), à qual prefere dedicar boa parte de seu tempo e atenção todos os dias, do que às avalanches de informações globais da internet e redes sociais, lembra que o valor da AON (America OnLine), antiga gigante e maior provedora de acesso à internet do planeta, antes do estoura da primeira grande bolha, no início dos anos 2000, valia US$ 150 bilhões e hoje vale US$ 1 bilhão. Em seu midiático IPO, o Facebook do garotão Zuckerberg passou a ser avaliado em US$ 100 bilhões. Em menos de um mês, já havia perdido mais de 20% do valor inicial. Mais uma vez, recomenda-se cautela. E uma boa dose dela, aliás.

Haverá tanta gente nova assim (o grande ativo dessas empresas são, afinal, os seus subscritores) para seguir engordando as redes de adeptos?

Há muita gente que jura que não aderiu e que jamais o fará. Um pouco por galhofa, outro tanto pela oportunidade de exercitar a crítica de costumes através de suas crônicas, talentos geniais como Luis Fernando Veríssimo e Ruy Castro recentemente escreveram, com graça e sabedoria, a respeito.

O primeiro, em artigo publicado no jornal “O Globo” de 3 de maio deste ano, entitulado “Os resistentes”. 

Eis como o inicia, na íntegra do primeiro parágrafo: “Não sucumbi ao telefone celular. Não tenho e nunca terei um telefone celular. Quando preciso usar um, uso o da minha mulher. Mas segurando-o como se fosse um grande inseto, possivelmente venenoso, desconhecido da minha tribo”. Para terminar, em tom de vaticínio profético, assim – e aqui reproduzo, também na íntegra, o último parágrafo: “Ouvi dizer que o celular destrói o cérebro aos poucos. Nos vejo – os que não sucumbiram, os últimos resistentes – como os únicos sãos num mundo imbecilizado pelo micro-ondas de ouvido, com os quais as pessoas trocarão grunhidos pré-históricos, incapazes de um raciocínio ou de uma frase completa, mas ainda conectados. Seremos poucos mas nos manteremos unidos e trocaremos informações. Usando sinais de fumaça”.

Ruy Castro, na Folha de São Paulo de 18 de maio deste ano, pede desculpas a leitores e amigos que eventualmente busquem encontrá-lo nas redes sociais, declarando que jamais esteve ou estará por lá, explicando porque não responde aos convites para que recebe para aderir à rede. Separo alguns trechos, simplesmente impagáveis:

“Não tenho Facebook, nem sei como funciona, e as únicas redes profissionais a que pertenço são as empresas a que presto serviços como escritor ou jornalista....
Como não sei para que servem essas redes, também não sei o que responder e, pior, temo que tais mensagens sejam pegadinhas marotas contendo vírus....O ridículo é que os que me convidam a tornar-me "amigo" deles já são meus amigos. Têm meu telefone, sabem onde moro, já saímos juntos para pândegas, discutimos futebol, fomos até sócios no passado e, se calhar, um tomou a namorada do outro e vice-versa...
.” Para concluir assim: “Acredito que os programadores dessas maravilhas eletrônicas tenham pouca prática de vida real. Por serem muito jovens e já terem nascido com um mouse na mão, talvez não saibam que as relações humanas podem se formar a partir de um encontro casual, um aperto de mão, um brilho no olhar”.

Volta ao tema Lúcia Guimarães, em novo artigo em 28 de maio no Estado de São Paulo “Pelo telefone”, em que demonstra que não falamos mais ao telefone e que o email e as mensagens de texto tornaram-se a nova “fala”, lamentavelmente mais pobre, encurtada e distante. E mais: como, para fugir do contato, o email e as mensagens são usados como escudo e desculpa: “Oh, não chegou sua mensagem... acho que estou com problemas em minha caixa....”. Fugimos ao contato. A voz compromete, engaja. Nas mensagens de texto, acabamos nos refugiando. Fugimos ao contato. Máxima ironia da hiperconectividade, aprendemos a utilizar suas ferramentas para fugir de nossos contatos! Atire a primeira pedra quem puder.

Por outro lado, são recorrentes os estudos que começam a despontar revelando a necessidade de nos desconectarmos. Recente tese da Universidade da California, em Irvine (divulgado no caderno “Mercado” da Folha de São Paulo em 6 de maio), concluiu que profissionais que não olham a caixa de email regularmente são menos estressados e mais produtivos. E mais, conforme declara Gloria Janet Mark, professora da Universidade e autora do estudo: “descobrimos que, após cinco dias longe do email, os níveis de estresse das pessoas caíram” (!!).

E na Folha de São Paulo de 30 de maio,  Arnaldo Niskier (ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Doutor em Educação) discorrendo em seu artigo “Usos e abusos da língua portuguesa”, sobre a crônica falta de leitura e de respeito à língua (escrita, sobretudo), aponta estudo da Universidade de Oregon entitulado “Medium Matters” que concluiu que um leitor de jornal em papel retém o conteúdo mais que um leitor online. E cita o desabafo do presidente da OAB no Brasil, avaliando o índice de 92,8% de reprovação no exame da entidade em São Paulo: “há pessoas (estamos falando de bacharéis em Direito no estado mais rico da federação....) que chegam à prova e não sabem conjugar verbos ou colocar as palavras no plural”.

Em coluna no Caderno Equilíbrio da Folha de São Paulo de 12 de junho, a genial atriz Denise Fraga conta, com leveza e profundidade, como perdeu o prazer de “flanar de taxi pelo Rio de Janeiro” desde que adquiriu seu Smartphone. Presa à sua tela, deixou de apreciar as ruas e paisagens da cidade em seus passeios de taxi. Arrependida a tempo  e ainda lúcida para entender que o novo hábito está “retirando a plenitude das nossas vidas”, emendou-se: desliga o aparelho sempre que entra em um taxi, impondo-se um limite para a digressão virtual e presenteando-se com o grande prazer perdido de observar e interagir com a vida real (e o motorista) enquanto passeia pela cidade.

Todos os sinais amarelos apontam para a necessidade de mudança de rota. Nessa via, seguir adiante sem uma parada técnica para reflexão, distanciamento crítico – e um pouco de silêncio interior – é correr rumo ao abismo.

Ou pode ser pior. E, quem sabe, até divertido, se pudermos imaginar uma fantasia de projeção darwiniana:

Da maneira como andam nossas interações sociais,  nossa comunicação e nosso processo de busca de conhecimento –  já não falamos, apenas digitamos, o raciocínio encurtado, embotado e preguiçoso porque nos habituamos a receber todas as informações em um flash instantâneo e absolutamente superficial –  poderíamos projetar o homem dentro de alguns milhares (ou milhões) de anos como uma criatura sem fala (por absoluto desuso) e com imensos dedos (assim como os do ET, pelo absurdo excesso de demanda da era digital). 

Teremos então finalmente chegado à próxima etapa da evolução: o homo sapiens terá dado lugar a uma nova criatura: muda, estúpida e de dedos enormes: o homo digiti  - o ‘homem dedos’.


quarta-feira, 20 de junho de 2012


O desafio da rentabilidade dos cartões e a redução das taxas de juros

Nos últimos meses, a progressiva redução das taxas de juros, especailmente os juros ao consumidor, em princípio capitaneadas pelos Bancos oficiais, colocou em movimento concreto aquilo que já se prenunciava como tendência há bastante tempo.

Seja por força da agenda político-econômica que recentemente ganhou força definitiva no Planalto, seja pela tendência apontada pelos mercados de economia estável e cultura de crédito arraigada, a redução das taxas de juros ao consumidor é um tema em pauta e nas agendas dos executivos financeiros há mais de uma década.

O terreno vem sendo preparado, com modelos, ferramentas e políticas sociais que, em primeiro lugar, criaram condições para a expansão do crédito como matriz de desenvolvimento e crescimento sociais, resultando em uma nova relação crédito / PIB, inédita em nossa economia de 49,1% em 2011, correspondente a mais de R$ 2 trilhões em crédito total concedido (não custa lembrar que até 2005 essa relação era de apenas 26%).

A ampliação da base social de consumo -  graças à prodigiosa expansão da classe C, especialmente nos últimos 5 anos, efetivamente possibilitou a geração de um novo cenário de compras e consumo, em grande medida também feito possível justamente pela estruturação e proliferação da oferta de crédito - criou um novo mercado consumidor, que passa a entender que pode comprar e que pode ascender socialmente, com as novas ferramentas que tem à disposição. Essa nova massa de cidadãos passou de 62 milhões de pessoas (34% da população, quando o segmento D/E era 51%) para mais de 103 milhões (51% da população, quando a classe D/E, de onde emergiram, felizmente encolheu para 24% da sociedade).

Esse novo consumidor, como aponta, entre outros dados, a competentíssima pesquisa “Observador Brasil” edição 2012, do grupo Cetelem, realizada pelo instituto Ipsos – já está mais maduro e reflete consistentemente as oscilações da economia. Em 2011, embora ainda predominantemente muito otimista sobre o país e a economia, o seu entusiasmo já é menor que o do ano anterior, quando se operou a maior propulsão de crédito e consumo.

O consumidor nacional, segundo a pesquisa, considera que a economia estará estável em relação ao ano anterior. E, ao mesmo tempo, está rigorosamente dividido sobre a sua expectativa em relação aos juros do país: metade acha que as taxas serão reduzidas e a outra metade não acredita em reduções significativas.

O que se torna especialmente interessante quando confrontado com a informação de que, segundo análise do professor Luis Carlos Mendonça de Barros publicada na Folha de São Paulo no final do mês de Abril, a reação dos consumidores neste início de ano tem sido a de primeiro pagar suas dívidas e só depois voltar a comprar. O que, além de representar um eloqüente alento após a forte alta dos níveis de inadimplência do último ano, também sinaliza que o consumidor aprendeu e amadureceu muito rapidamente. E nada indica que ele retornará afoito a um endividamento acelerado.

O mesmo Observador Brasil apurou que há mais renda disponível em todas as classes sociais: na classe C, por exemplo, a renda disponível (livre para gastos de qualquer natureza, após o cumprimento das obrigações mensais) cresceu 50% sobre o ano anterior. Além disso, os consumidores acreditam que a oferta de crédito irá crescer / melhorar (49%). Mas não há euforia em relação aos juros (1/3 da população acredita que irão piorar, 1/3 acredita que ficarão inalterados e 1/3 acredita que poderão melhorar).

Nesse contexto, tudo somado, um novo mercado de consumo está pavimentado. A nota destoante, sob quaisquer argumentos e quaisquer variantes, segue sendo a elevadíssima taxa de juros. Parece ter chegado o momento de finalmente enfrentarmos esse capítulo.

Não é assunto que se resolva por decreto, é certo, mas o movimento iniciado nesta semana pelos Bancos federais torna o tema, que sempre foi importante e relevante, agora também candente e urgente.

Uma coisa é certa: esse movimento inaugura um dos períodos mais intensos de competitividade e pressão por resultados e alternativas de gestão no varejo financeiro em muitos anos.

Os Bancos estão equipados e são extremamente sérios para entender a dimensão do desafio, mas demandam condições coerentes de competitividade: não há como não serem revisitados os gargalos tributários e regulatórios que estrangulam as margens dos Bancos se, de sua parte, também o governo estiver disposto a encarar a questão com seriedade.

Um corte abrupto, imediato e com a intensidade anunciada das taxas de juros não é compatível com um contexto de competitividade saudável. Não apenas a inadimplência segue como grande preocupação (e ferramentas como o cadastro positivo, por exemplo, ainda não oferecem o grau de maturidade requerido para reverter esse cenário), como a oneração regulatória e fiscal extraem capacidade competitiva fundamental para pavimentar uma queda sustentável dos juros.

Que as taxas irão cair, ninguém duvida. O tema não é novo, afinal. Em meu livro “E o dinheiro virou plástico”, Ed Cultura, publicado no ano 2000 (há mais de uma década, portanto), já apontávamos para essa tendência e os desafios que a indústria, por exemplo, de cartões de crédito, teriam pela frente com essa variável, cedo ou tarde, no front. Aquilo que apontávamos como tendência, agora já se tornou movimento. Assunto em marcha. A questão é a maneira e o momento.

Em todo o varejo financeiro nacional, as receitas com as operações de crédito são prevalentes e determinantes da rentabilidade dos Bancos. Não por acaso, as ações dos principais Bancos recuaram imediatamente após o anúncio do corte das taxas em Brasília. Crédito pessoal com gênero e, sobretudo, cheque especial, como espécie, têm papel preponderante na composição das receitas de todas as operações bancárias ao consumidor – mesmo aquelas voltadas à alta renda.

A queda abrupta das taxas é um golpe significativo em todo o mercado. Não que isso deva ser segredo para o Banco Central. Daí exatamente a questão ser mais interessante: o BC sabe (assim como o Ministério da Fazenda) da potencial dimensão depreciativa de valor para as instituições financeiras de um corte abrupto das taxas. Mas ainda assim acelera a sua implementação nos Bancos oficiais. É uma sinalização clara de direcionamento. Mas falta o ajuste fino. E aí é justamente que começam os desafios dos gestores, as  rodadas de negociações e as lições de casa para toda a cadeia produtiva.

Algumas pistas serão de imensa importância para o direcionamento dos trabalhos de todos nós, gestores e responsáveis pelo desenvolvimento e crescimento sustentáveis das diversas operações de financiamento ao consumidor do mercado nacional.

O nosso mercado de cartões de crédito tem 58% de suas receitas provenientes do crédito rotativo, hoje dentre os principais alvos de corte de taxas no crédito ao consumidor (último relatório cartões Bacen, dezembro 2010 – gráfico abaixo). Um corte hoje de mais da metade do valor das taxas pode corresponder a inviabilizar muitas operações de cartões, da maneira como estão constituídas.



Com décadas à nossa frente, o mercado norte-americano, recém emergindo da crise de 2008-2009, vem há anos em um movimento de análise de reengenharia e novas fontes de receita para os cartões, uma vez que o extraordinário grau de competitividade do mercado encarregou-se por si próprio de reduzir sumamente as taxas de juros na busca por novos clientes e, claro, veio dizimando grande parte das suas receitas nas duas últimas décadas.

O conceito de “intelligent pricing” vem sendo intensamente debatido e incentivado nesse período como alternativa de recompor as receitas que, por força da competitividade de mercado, foram reduzidas com baixíssimas taxas de juros.

Cobrar em função do perfil do cliente, do perfil de uso dos cartões (conceitos como tarifa por inatividade de cartão), perfil de risco (derivando em taxas de juros flexíveis e variáveis em função dos scores dos clientes).

O percentual de participação de tarifas (“fees”) nas receitas dos emissores de cartões nos Estados Unidos chegou a 48% em 2010, subindo de 31% de uma década atrás (The Wall Street Journal, 23 de janeiro de 2011, Marketwatch, A New Landascape for Credit Cards, Jennifer Waters), conforme as tendências e estratégias de gestão perseguidas pela indústria local. O balanço é claro: juros menores, tarifas (INTELIGENTES) maiores.

No Brasil, a participação das tarifas na receita dos cartões está na casa de 13%, contra quase 60% das receitas com financiamento (relatório cartões Bacen, gráfico acima).

Sem adernar à arena do marketing, estamos falando de segmentação. Mas, sobretudo, estamos e estaremos falando de estratégia. No caso específico dos cartões, por exemplo, tudo recai e remonta à essência do principal pilar do negócio: fazer com que o cliente USE o SEU cartão. Quanto mais usar, mais poderá financiar. Quanto menos usar, menos receitas trará. Como fazer isso é um desafio cada vez mais presente e premente em nossa gestão. Por exemplo: cartões inativos, ou de baixa atividade, são tarifados, ou mais tarifados, incentivando os clientes à utilização do produto ou, gerando receita compensatória pela falta de uso, através de um sistema segmentado e inteligente de precificação.

Novas alternativas incluem segmentação mais rigorosa na composição do produto para suportar taxas menores, endereçando públicos específicos com perfil prevalente de utilização do crédito rotativo. O Barclays está lançando neste trimestre um novo produto, o BarclayCard Ring, com as menores taxas de rotativo de seu portfólio, isenção de anuidade, mas SEM nenhum programa de recompensas agregado. A mesma estratégia e mesma configuração norteou o Citi Simplicity, lançado no ano passado (Lowcards.com, 7 de Março de 2012, Lynn Oldshue).

Público segmentado, menores taxas, mas com menos prêmios e recompensas na outra ponta. É um desenho, dentre infinitas outras possíveis composições, de viabilização do negócio. Mais do que nunca, planilhas, calculadoras e criatividade deverão andar juntas.

Competitividade e diferenciação, definitivamente, será o nome do jogo.

Mais pistas, também do mercado americano: clientes estão adorando os cartões com cash back (um percentual de todos os gastos volta como crédito no cartão) e, como sempre, apontam a excelência no atendimento e na execução do serviço como fatores preponderantes na escolha de uso do produto.

Outra tese em curso é a de se atrelar programas de recompensas (de resto, sobretudo os de milhagem, com custos atuais exorbitantes na operação da maioria dos Bancos emissores) apenas aos cartões que paguem anuidade. Mais, os níveis do programa de recompensas passam a ser associados ao nível de anuidade efetivamente paga pelo cliente.

Dentre as principais causas de insatisfação e cancelamento dos cartões, lá como cá, léguas à frente do segundo lugar... a alta taxa de juros. Agregue-se a informação de que no BB e Caixa, o perfil de risco dos clientes – um dos principais argumentos para a sustentação das taxas de juros elevadas – é em sua maioria (55%) de alto risco (segundo as faixas de risco do Bacen, de B a H), enquanto nos Bancos privados 75,9% dos clientes pertence ao perfil de risco AA – A, o mais baixo do mercado, conforme as faixas do Bacen.

A contradição, neste momento, pode jogar contra a tese de que o mercado precisa da gordura das taxas para compensar os maus pagadores.  A verdade é que, em melhor técnica, praticar taxas mais baixas e clientes com piores scores é um risco altíssimo, que o mercado não pode carregar.

Com efeito, outra tendência em marcha acelerada nos novos modelos do mercado americano, é distanciar ainda mais marcadamente as taxas dos clientes de maior risco (que irão subir), das taxas dos clientes de menor risco (que serão, estes sim, recompensados por taxas menores). Dentre as melhores práticas atuais de gestão, muitos Bancos já praticam esse modelo no Brasil. É de se aprofundar a prática. E são de  preocupar movimentos de precificação em sentido contrário.

No final do dia, melhores pagadores e menores taxas, propulsionarão crédito, que por sua vez alavancará o consumo, que propiciará crescimento sustentável de longo prazo ao país, que é tudo o que todos nós queremos.

Por enquanto, o dia amanheceu mais difícil para toda a indústria. Há lição de casa para todos os elos da nossa cadeia produtiva.

Mas o desafio vale à pena. Entramos, finalmente, na era da maturidade do crédito ao consumidor. Bom para o mercado, ótimo para o país.

sexta-feira, 1 de junho de 2012


LIDERANÇA, VIRTUDES E CARÁTER

“Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

A um tempo simples e extremamente profunda, a frase de Abraham Lincoln (o 16º presidente norte-americano, um dos mais marcantes governantes da história do país, de 1861 até 1865, quando foi assassinado) encerra uma rara sabedoria lastreada na filosofia moral e no conhecimento prático e concreto da natureza humana, seus pendores, talentos e vicissitudes.

A oração completa é “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”.

Todos nós teremos casos, situações e pessoas em posição de liderança que nos acorrerão à memória.

Personagens da história e personagens reais que cruzam ou cruzaram nossas vidas e nossas carreiras. Exemplos positivos e, infelizmente, muitos exemplos negativos.

Esse é – ou ao menos deveria ser - um dos aspectos mais cruciais na avaliação do preparo e da gestão da liderança contemporânea. Como será usada a liderança pelo seu detentor? O que fará com o poder que lhe confere o cargo quando o assumir?

Noves fora trazer resultados para o negócio, premissa dada, o problema é extremamente mais complexo e, suas repersussões são de natureza essencialmente pessoal e social, para muito além da mera performance de resultados que, dito outra vez, são premissa dada: é sine qua non mas, muito longe de ser condição suficiente, é apenas condição necessária.

O que move um líder? E como e o que ele fará para que se movam seus comandados?

O princípio da resposta passa necessariamente por uma outra premissa, de constituição moral (sim, moral!), que jamais será capturada pelas planilhas de metas e resultados, mas deita raízes no que de mais genuíno existe na própria natureza humana: o seu caráter: “O homem guiado pela ética é o melhor dos animais; quando sem ela, é o pior de todos”.

Claro que Aristóteles (384 – 322 a.C.), nessa genial síntese, não podia imaginar as implicações e os bastidores do mundo corporativo do século XXI, mas estava baseado no seu profundo conhecimento das verdades mais fundamentais da filosofia e da constituição de qualquer sociedade, em qualquer tempo, época, forma ou estrutura: a natureza humana.

Dissociar-se de verdades fundamentais e essencias como essa nos estudos e avaliações sobre equipes de trabalho e liderança é tão infrutífero quanto, mais ou menos, por exemplo, discutir qualidade de vida em um acampamento de refugiados de guerra na Somália.

A base da discussão é, sem exceção, a formação e os valores do indivíduo, seu patrimônio e bagagem pessoais. Em uma palavra, seu caráter.

Um dos livros mais interessantes que li recentemente, chama-se “Virtudes e Liderança”, do especialista francês Alexandre Havard que, em 2007 fundou o “Havard Virtuous Leadership Institute”, que ministra programas executivos de excelência em gestão e liderança, baseados em virtudes.

Já na introdução, Havard lembra Peter Drucker, que postula: “É através do caráter que se exerce a liderança”.

A partir daí, a tese de Havard evolui para os princípios e os pilares da foramação do caráter, para identificar que, em sua base, estão as virtudes, entendidas como práticas reiteradas e recorrentes de bons hábitos, para a conquista das qualidades essenciais ao fortalecimento da personalidade.

Conforme lembra a obra, o tema não é novo: vem de Platão a codificação das virtudes, por assim dizer, estruturais do caráter humano, por ele designadas como virtudes “cardeais” das quais, segundo o filósofo, derivariam todas as demais: prudência, justiça, fortaleza e temperança (ou auto-controle).

A obra (cujo sub-título é: “a sabedoria das virtudes aplicada ao trabalho”), segue discorrendo sobre o papel das virtudes na atitude e na definição da postura dos líderes no mundo profissional, demonstrando como é da qualidade individual da sua personalidade que o verdadeiro líder extrai a essência de sua atuação.

Avançando sobre a prática e a efetivação da liderança, o autor ainda lembra que a missão (que poderíamos traduzir por Ideal), é o que move o líder e, em última instância, desencadeia a ação (que, no desempenho da função, será a Execução): “No líder, o ideal dá lugar à missão, que depois se traduz em ação”.

O que vale dizer, apenas um líder devidamente comprometido com sua missão, que tenha um conjunto de virtudes sólido, será capaz de transformar a missão em ação, garantindo a Excecução de qualquer plano e qualquer objetivo.

Missão (a representação de um ideal)  e execução (que só será possível através do comportamento alicerçado em um caráter virtuoso, capaz de não desanimar – e de manter o grupo motivado e comprometido -  ao enfrentar as dificuldades e as pressões ao longo do caminho) são ao mesmo tempo premissas para o desempenho da liderança e marcas de sua atuação.

Vale muito a pena um minuto de reflexão para observar o papel concreto que a prática de cada uma das virtudes essenciais representa na atuação profissinoal cotidiana dos líderes:

.Prudência: para tomar boas decisões

.Fortaleza: para manter o rumo e o foco, resistindo às pressões e adversidades

.Temperança (auto-controle): para dominar e controlar as instabilidades, inconstâncias e fragilidades de ordem emocional e temperamental, mantendo a atitude firme em direção aos objetivos

.Justiça: para dar a cada um o que é seu, de acordo com seu merecimento, premiando e recompensando a quem mereça e cobrando e encorajando quem necessite

.Magnanimidade (o autor acrescenta esta e a seguinte à relação original das virtudes cardeiais de Platão): para estabelecer objetivos pessoais elevados para si próprio e para todos os membros da equipe, o que vale dizer, sonhar alto, buscar o sonho e acreditar que não existem impossíveis na busca da missão

.Humildade: para superar o próprio ego e servir aos outros (o grifo aqui é nosso)

Curioso como poucas coisas parecem mais contraditórias a uma liderança de perfil convencional do que essa útlima virtude. Humildade pode parecer quase a própria antítese da liderança.

Muito interessante, porque a verdadeira liderança é serviço. Em sua essência e em sua origem é, sobretudo, missão. Para ajudar, conduzir, apoiar e facilitar o alcance dos objetivos e a realização da plena capacidade de todos e de toda a equipe.

Serviço. Para isso está a liderança. Esse o seu papel social e o seu sentido. 

Quem exerce o poder com essa perspectiva é o líder verdadeiramente vocacioando à sua missão. Qualquer outra perspectiva subverterá o poder, colocando-o em  favor de seu ocupante – e em detrimento dos demais e da própria missão do grupo.

As consequências, desastrosas, conhecemos todos. Das páginas da história, aos gabinetes e escritórios de ontem e de hoje, estão por toda a parte.

Que ao menos nos sirvam de alerta e lição.