PANIS ET CIRCENSES
Com pão e diversão
se entretém – e se mantém – a turba. Ou patuléia, ou o andar de baixo, no
verbete da crítica social.
O que pode ter dado errado, então?
O que pode ter dado errado, então?
Sim, porque afinal não faltaram pão e circo até aqui. Dos restos se encheriam não apenas doze cestos, mas algo como 30 milhões de bolsos – aqueles, egressos da assim chamada classe D para a nova, emergente e florescente classe média, magicamente transmutada em classe consumidora.
A diferença é sutil, mas nada trivial: o que define a florescente classe dita emergente e ungida como nova classe média é o seu suposto poder de consumo. Outros quinhentos seriam a definição de consumo, em seus vetores qualitativos e quantitativos.
Como em um passe de mágica, agora mais de 50% da população nacional está na classe média, o que converte a antiga pirâmide social do país do denunciador triângulo – a larga base sustentando os “excluídos”, afinando-se progressivamente na direção do topo, sempre pequeno e restrito, dos “incluídos” - ao promissor losango, em que a base converge rumo ao centro e as extremidades se aproximam, formando a classe média ampla, sustentáculo do consumo na esteira do desenvolvimento econômico.
Nesse novo e inflado centro de consumo estão indivíduos e famílias que em tese teriam ascendido a um novo patamar social, atestado pelo poder de consumo, dado por uma combinação de fatores urdida entre ingredientes que vão desde um arremedo de acesso ao crédito e depressão induzida de taxas de juros até o mais primitivo assistencialismo paternalista, com institutos de natureza – para dizer o mínimo – duvidosa, como o bolsa família e que tais.
O mundo dos negócios – literalmente – apontou sua mira na direção deste novo éden do consumo e passou a direcionar investimentos e interesses para abaixo da linha do Equador, como nunca antes houvera ousado. Noves fora o potencial local, assome-se a falta de perspectivas e horizontes setentrionais, com a Europa derretendo e os EUA se refazendo da crise de 2008. Para onde mais poderia apontar a artilharia do capital?
Porto mais seguro
que outras geografias ainda temerárias dos BRICs, o Brasil, em que pesassem as
contrapartidas conhecidas por todos, ainda era um destino amplamente
preferencial de investimentos.
Na base e no
alicerce desse racional, a nova “classe emergente”. Um manancial de
consumidores inexplorados – agora com crédito estimulado e insumos públicos –
turbinam as projeções e expectativas de empresas e investidores do mundo
inteiro.
Mais: esse mesmo mercado, pródigo na construção e produção de novos consumidores, ainda seria capaz de se superar e, em golpes rápidos e sucessivos de pirotecnia mercadológica, consegue também carrear para seu quintal os dois maiores eventos internacionais do planeta, a Copa do Mundo da Fifa e as Olimpíadas.
O que mais faltava? O futuro tinha chegado definitivamente para o antigo “país do futuro”. E a propaganda oficial não tardou em trazer a boa nova ao mundo.
Mais: esse mesmo mercado, pródigo na construção e produção de novos consumidores, ainda seria capaz de se superar e, em golpes rápidos e sucessivos de pirotecnia mercadológica, consegue também carrear para seu quintal os dois maiores eventos internacionais do planeta, a Copa do Mundo da Fifa e as Olimpíadas.
O que mais faltava? O futuro tinha chegado definitivamente para o antigo “país do futuro”. E a propaganda oficial não tardou em trazer a boa nova ao mundo.
Tudo o mais cadenciado em prol da propaganda oficial - nada obstante os reais e louváveis avanços sócio-econômicos do país que, de resto, são inquestionáveis – o Brasil sabe pouco sobre suas próprias limitações e extensão da propalada nova classe social, para dizermos o mínimo.
E então, eis que
senão quando, é preciso fazer às pressas a contabilidade de quanto o aumento da
passagem de ônibus representa na cesta de consumo desse novo e iluminado
cidadão emergente. Quanto de sua renda e de seu orçamento serão comprometidos?
Pergunta improvável até um par de semanas, passou a tornar-se ingente e angustiante
de um dia para o outro: mas quanto é que as tarifas de transporte consumem do
orçamento doméstico?
Aumento retido, contido, reprimido – não pelas eleições, dê-se de barato – mas em prol do sacrifício pelo bem maior de não agravar a pressão sobre a inflação. E, de repente, autorizado e implementado, embora com mais de 6 meses de atraso.
Aumento retido, contido, reprimido – não pelas eleições, dê-se de barato – mas em prol do sacrifício pelo bem maior de não agravar a pressão sobre a inflação. E, de repente, autorizado e implementado, embora com mais de 6 meses de atraso.
E logo depois da escalada de preços do tomate! Logo agora, que a economia pisou no tomate e avermelhou as projeções inflacionárias, as tarifas de transportes mergulham no molho dos aumentos? O PIB não correspondeu – outra vez – mas sim os preços. Inflação à espreita, economia estagnada. Um trimestre, outro trimestre.
Economia
estacionada, investimentos declinantes, confiança internacional comprometida e
preços, estes sim, em marcha batida de alta. No caixa do supermercado a nova
classe emergente vê o seu sonho de consumo submergir e naufragar na alta mais
que simbólica do caldo de tomate. E será que tudo acaba em pizza outra vez?
Antes tarde do que
mais tarde, o Planalto ensaia devolver ao Banco Central o controle da política
monetária – e a até então inacreditavelmente politizada definição das taxas de
juros da economia, na única e última tratativa de bom senso da gestão econômica
dos últimos meses. O Banco Central, técnico como deve ser, inicia a correção
das taxas para conter a inflação já em marcha.
Movimento óbvio mas, outra vez, retardado. Investidores já haviam batido em retirada ou estocado suas ordens de compra no país, aguardando que a política econômica recobrasse a sensatez de um Banco Central efetivamente autônomo e guardião da estabilidade da moeda. Os juros voltam a subir, pilhando inadvertidos os novos emergentes refestelados em crediários e dívidas impulsionadas pelo acesso ao crédito fácil e barato. Muitos ficaram pelo caminho. A terra começa e ser devastada e o chão que assentava a nova pirâmide (mais bem, o novo losango) social, começa a faltar.
É a economia, estúpido? Sim, é. Sempre é. Mas há mais, muito mais.
Falta o “panis”, mas sobra o “circenses” que insiste em tripudiar da capacidade de entendimento e assimilação da sociedade.
Temos Copa, temos Olimpíada, temos novos milionários (e bilionários) midiáticos encenando a imagem ensaiada de um país que teria dado muito mais certo do que na verdade deu.
E temos um universo paralelo de poder, inacreditavelmente cínico, que insiste em acreditar que a sociedade ainda acredita no que dizem e no que fazem. Ou fingem acreditar, o que é ainda pior.
Movimento óbvio mas, outra vez, retardado. Investidores já haviam batido em retirada ou estocado suas ordens de compra no país, aguardando que a política econômica recobrasse a sensatez de um Banco Central efetivamente autônomo e guardião da estabilidade da moeda. Os juros voltam a subir, pilhando inadvertidos os novos emergentes refestelados em crediários e dívidas impulsionadas pelo acesso ao crédito fácil e barato. Muitos ficaram pelo caminho. A terra começa e ser devastada e o chão que assentava a nova pirâmide (mais bem, o novo losango) social, começa a faltar.
É a economia, estúpido? Sim, é. Sempre é. Mas há mais, muito mais.
Falta o “panis”, mas sobra o “circenses” que insiste em tripudiar da capacidade de entendimento e assimilação da sociedade.
Temos Copa, temos Olimpíada, temos novos milionários (e bilionários) midiáticos encenando a imagem ensaiada de um país que teria dado muito mais certo do que na verdade deu.
E temos um universo paralelo de poder, inacreditavelmente cínico, que insiste em acreditar que a sociedade ainda acredita no que dizem e no que fazem. Ou fingem acreditar, o que é ainda pior.
A tal e tanto que a
outrora velada corrupção passou a ser flagrada e divulgada em horário nobre,
todos os dias, semana após semana – e seus protagonistas seguem desfilando
literalmente em praça pública, em vergonhoso escárnio social, lançando a perder
qualquer hipótese de credibilidade de nosso sistema político. A crise não é
apenas de representatividade política – cuja falta, desnecessário dizer, é
absoluta e irrestrita – mas, sobretudo e muito mais grave, é de lideranças.
Com todo o respeito
aos jovens líderes do movimento Passe Livre – que acompanhei em entrevistas e
declarações recentes – mas a sociedade não está nas ruas pelos 20 centavos de
aumento das tarifas de ônibus (de resto, já reduzidas): há um contexto
submerso, contido, disperso e inconcluso de insatisfação atomizada por todo o
corpo social.
“Contra tudo isso
que está aí”, essa espécie de platitude aparentemente oca e vazia, na verdade
carrega um conteúdo denso e de pote cheio, derramando de insatisfação e
contrariedade. Com a economia, que se mede em cada caixa registradora das
feiras e supermercados – e com a política, dessa deslavada falta de vergonha e
decoro de uma classe de representantes que há muito tempo não representa
ninguém. A litigiosidade contida está à solta.
Sua libertação é sinal de que o sangue ainda pulsa. As consequências é que ainda são incertas – e autoridades atônitas e estupidizadas por 2 semanas diante do espetáculo popular, sem nenhuma reação consistente, apenas comprovam a alarmante ausência de lideranças e agravam o risco de desfechos socialmente críticos e indesejáveis, a quaisquer títulos.
Sua libertação é sinal de que o sangue ainda pulsa. As consequências é que ainda são incertas – e autoridades atônitas e estupidizadas por 2 semanas diante do espetáculo popular, sem nenhuma reação consistente, apenas comprovam a alarmante ausência de lideranças e agravam o risco de desfechos socialmente críticos e indesejáveis, a quaisquer títulos.
Há oportunistas de
plantão e é até provável que muitos deles tenham protagonizado o início dos
movimentos de manifestação social pelo país. São repudiáveis, todos eles. E inaceitáveis
os abusos depredatórios e de violência urbana, contra a população e o
patrimônio público: são criminosos, sem qualquer contemplação – e como tal
devem ser encarados.
Mas as manifestações
de há muito já se provaram maiores do que eles. Carregam o espírito de um corpo
social diante de suas mazelas econômicas e suas misérias políticas.
Nem todos saberão
verbalizar esses sentimentos de maneira racional, mas está claro que a
insatisfação – mais do que legítima – está solta. Ponto para a nação. Mostra que
não é imbecil, como insistem em pensar nossos governantes. Podem não saber
expressar, podem não saber escrever – mercê de nosso sistema pífio e vergonhoso
de ensino – mas sabem perfeitamente quando estão sendo enganados. Não somos
palhaços, é o estamos dizendo nas ruas. É tempo de ouvir.
A propósito, o video
abaixo sobre a Copa e o Brasil é sintomático e traz uma extraordinária
oportunidade de reflexão por todos nós sobre tudo o que estamos discutindo
aqui.
http://www.youtube.com/watch?v=ZApBgNQgKPU
O velho panis et circenses, já não funciona mais.
http://www.youtube.com/watch?v=ZApBgNQgKPU
O velho panis et circenses, já não funciona mais.
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